Eu lembro muito bem como foi o meu primeiro personagem de RPG. O ano era 1992. Seu nome, “Renox”, um ladrão da raça dos pequeninos que perambulava pelas ruas de Donatar em busca de aventuras.
Um amigo tinha acabado de comprar Tagmar, o primeiro RPG 100% brasileiro, que seguia a linha dos jogos clássicos de fantasia medieval. A construção dos personagens se dava mais ou menos como no próprio D&D: sorteavam-se valores para atributos, escolhiam-se as habilidades, comprava-se o equipamento e você estava pronto para se aventurar nas terras de Tagmar.
Naquele tempo, ninguém dava a mínima para a história dos personagens. Ninguém queria saber onde o fulano aprendeu tal habilidade, conquistou tal status, etc. A única coisa que importava era ter uma caverna cheia de monstros e tesouros para que pudéssemos explorar nos fins de semana.
Por Que Escrever Uma História Para Seu Personagem
Toda grande história envolve grandes protagonistas. No RPG não é diferente. Histórias épicas de RPG começam com personagens envolventes, que enriquecem o cenário e acrescentam drama à campanha. Isto, meu amigo, independente do gênero do seu jogo.
Na época em que criei o “Renox”, RPG ainda era uma sigla obscura em Fortaleza, quiçá no Brasil inteiro. Haviam poucos jogos em circulação e os mais populares tinham como temática o dungeon crawl. Em outras palavras, quase todos eles se resumiam em adentrar uma caverna, atacar quem aparecer pela frente e recolher todo o tesouro encontrado (no caso de vitória, claro).
Porém, com o passar do tempo, cada vez mais eu me perguntava como é que tal monstro foi parar em tal sala, dentro de tal caverna. Nosso mestre também passou a exigir mais interpretação de nós. Um sucesso em um teste de persuasão não era mais suficiente. Todo mundo queria ouvir o diálogo! Com isso, foi apenas uma questão de tempo até nós, os jogadores, percebécemos as inconsistências dos nossos próprios personagens.
Na medida em que se ganha experiência e amadurece no RPG, matar monstros para evoluir de nível passa a ser um aspecto secundário de jogo. É natural que o contexto das aventuras, e principalmente dos personagens, começe a receber certa relevância.
Uma história bem bolada também tem o potencial de colocar seu personagem no centro das atenções. Isto o transforma de um elemento passivo, que apenas reage às proposições do mestre, em um verdadeiro protagonista.
Como Escrever Uma História para Seu Personagem
A história do personagem existe para explicar como ele se tornou o que é hoje, mas também para enraizá-lo em sua campanha. A menos que você faça questão de jogar com um “guerreiro(a) com uma espada”, você se divertirá muito mais se dedicar um tempo na construção de sua história de fundo.
Os passos a seguir irão te guiar na criação de uma história que dará mais vida ao seu personagem, oferecerá ganchos para seu mestre usar na campanha e tornará a experiência de jogo melhor para todos da mesa.
Passo 1: Descreva a Aparência e Personalidade do seu Personagem
Comece com um conceito, ou o presente imediato do seu personagem. Feche os olhos e o coloque no olho de sua mente. Visualize as roupas que ele veste, o seu porte físico, a idade, as feições de rosto. Ao mesmo tempo, imagine também suas maneiras: como ele anda, como fala, como se porta em uma sala (taberna?) cheia de pessoas, etc.
Quando você estiver com uma imagem nítida em sua mente, você pode pedir para o artista do seu grupo desenhá-lo ou buscar algo parecido na internet. Eu gosto de começar com um breve parágrafo descritivo sobre a aparência do personagem e outro sobre sua personalidade e interesses.
É fácil pensar que você pode dispensar esta etapa e partir direto para uma arte do seu agrado na internet. Porém, resista a esta tentação. Este passo é um aquecimento do seu músculo de criatividade. Depois, a internet ainda estará disponível para você pesquisar uma imagem que se pareça com aquilo que você imaginou.
Passo 2: Conecte seu personagem ao cenário do jogo
Pouco importa se o cenário de sua campanha é algo pronto ou foi preparado pelo mestre. Conectar o personagem a ele é papel do jogador.
Faça uma lista daquilo que lhe atrai e que pode fazer parte da história do seu personagem. Uma localidade específica, uma organização ou um personagem relevante são exemplos de elementos que podem entrar em seu passado. Acrescente, em especial, aqueles aspectos que você gostaria de explorar dentro do jogo.
Se o mestre de jogo está desenvolvendo um cenário próprio, você pode contribuir adicionando novos lugares, pessoas, lendas, etc, junto com seu personagem. A maioria dos mestres terá prazer em incorporar sua criação na campanha.
Passo 3: Defina a Origem de suas Qualidades
Se você começou o seu personagem pela ficha de jogo, este é o momento de contar a origem de todos aqueles números que o tornam formidável. Pense em como ele adquiriu as características que o define. Ele nasceu com elas ou as conquistou ao longo de sua vida? Como foi que ele aprendeu o que sabe hoje? Houve algum mentor ou ele foi ensinado pelas circunstâncias da vida? Seus pertences foram conseguidos através de herança, trabalho ou pura sorte?
Quanto mais exótico for seu personagem, mais foco você deve dar à este passo. As respostas à estas perguntas podem sugerir novos elementos de campanha e fornecer ganchos para o mestre trabalhar futuramente.
Se por outro lado, você escreveu a história do personagem antes de fazer a ficha de jogo, você já deve ter uma ideia geral de onde irá gastar seus pontos de criação.
Passo 4: Estabeleça Uma Motivação
Quais são os gostos pessoais do seu personagem? O que ele quer? Por que ele faz o que faz? O que o motiva a agir? Quando você responde estas perguntas, pode ter certeza que você estará mais perto de saber quem seu personagem realmente é. É muito mais fácil decidir pelo personagem e interpretá-lo quando você conhece suas motivações.
A motivação dos personagens é um dos elementos básicos usados pelo mestre para desenvolver aventuras. É ela que o leva a arriscar sua vida em busca de aventuras. Por isso, dispense um tempo para refletir sobre os objetivos do seu personagem.
Passo 5: Acrescente Um Conflito
Verdade seja dita: ninguém gosta de um personagem sem defeitos, e que pode tudo.
Um conflito é aquilo que irá se colocar entre o personagem e seu objetivo e serve para adicionar drama às suas aventuras. Os conflitos podem ser internos, relacionados aos seus hábitos ou à sua personalidade, ou externos, causados por elementos do cenário.
Não pense que o conflito do personagem é apenas algo para o mestre usar contra você. Sim, ele é um gancho importante, e cedo ou tarde o mestre fará uso dele, muito provavelmente no pior momento possível. Mas o conflito, acima de tudo, deve ser algo que deixe a mesa mais divertida.
Mãos à Obra!
Vários sistemas de RPG atuais já incorporam a história do personagem na criação da ficha. Um histórico bem feito tem o potencial de fazer com que você se torne peça central no enredo. Não subestime o poder da história do seu personagem!
Você teve algum personagem marcante? Qual o impacto que a história do personagem teve na campanha? Conte nos comentários abaixo!